Tudo depois da poesia é uma merda.
Ademar Santos

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

O canto do pisco (em dó menor)

No lugar de paz, calma e sorrisos

Pousas o corpo rechonchudo na rama
eroticamente despida do bordo
—que já não é japonês nada—
e cantas durante uns segundos
prendendo-me no teu feitiço,
o olhar profundo,
macio, pequenito, ligeiro
(eu sei que és ligeiro: já tive um nas mãos,
que resgatei palpitante no horrível susto nosso,
seu e meu,
da boca bondosa duma minha cadela cor-do-sol-em-alto).

Sacudo as pálpebras ao de leve levíssimo
e ascendes, saltitas
duma rama a outra e da outra a nenhuma.
Não me fujas assim!
Tivesse eu caçadeira e eras ave de morte morrida, morta,
estrondo e abalar da terra! —ameacei peteira peta-pouco.
Tenho é só uma câmara de ar manso
de que desconfias como se te fosse roubar o canto
num disparo. E fazes bem.
Fazes-me bem.

Fascina-me, então, nessa tua melodia, que eu gosto,
nem que nunca te alcance,
intocáveis, se tem de ser, seja,
tu na tua rama
e eu na cozinha
a te oferecer migalhas
por um solo de pisco em dó menor,
em dó.

2 comentários:

Ademar Santos disse...

Nem sei bem como cheguei aqui, mas sei que virei mais vezes. A poesia recomenda a viagem...
E contra "FRAGMENTOS"...só mesmo "IMPROVISOS": http://abnoxio.weblog.com.pt/arquivo/improvisos_2009/index0

Maria disse...

Eu sim sei como chegaste aqui, Ademar, tenho um certo olfacto canino para estas coisas da blogosfera. ;)

Dei só uma espreitadelinha lá no Improvisos: dois poemas foram bastante para saber que gosto. Mas preciso de calma para ler com calma. Logo à noite, prometo, regresso. E mais vezes, claro.