Tudo depois da poesia é uma merda.
Ademar Santos

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Escamas e ecos

...de un no te quiero querer.
¿Y cómo huir cuando no quedan islas en que naufragar?
Peces de ciudad
. Joaquín Sabina.

Às vezes arribam à minha costa náufragos,
seduzidos no faiscar de escamas
dos peixes que morreram sobre a areia,
julgando que alcançaram uma estrela*.

Mas não tarda o dia em que regressam
ao mar de que vieram derrotados,
queimados na aspereza destas praias,
secura nas promessas de diamantes.

Passado o tempo, deles só resta um eco:
as suas vozes implorando água
antes de se perderem no nunca mais
do oceano de que vieram.

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* Ou as minas do rei Salomão?

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Nocturno

Desdurmo nas trevas o novelo finito dos segundos,
habitada de in-sonhos,
desapossada de porvires.
O corpo é um desprazer de agulhas
álgidas que semeam brasas em músculos e ossos,
lancinantes,
cáusticas,
de que vingará a desolação.

Vem do caminho o lampião a me perfurar as pálpebras fechadas,
tremeluzindo em disfarçada ilusão de estrela
entre a folhagem decrescente do bordo japonês
a que o vento, irado com o mundo,
dá asas caprichosas.

E não durmo e não durmo
sobre o leito de dentes que me cravaste,
antes de a virares do avesso, na pele:
maninho e descarnado sequeiro!

P.S.:
Disto, afirmam eles, não se morre;
mas na dúvida, discrepo:
Desviver o tempo minguante
não é tricotar passos de moribundo?

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Nuvens e claros

Às vezes é agora e no quintal,
que é o mundo,
tem uma luz tão radiosa
e limpa
que a gente pensa:

Será que se abro a janela
vou ver o meu rosto desenhado no ar
como num espelho?

É assim o outono: contrastes.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Onde é nenhures

Fugir é morrer dum lugar...
"O dia em que explodiu Mabata-bata" em Vozes anoitecidas. Mia Couto


Nem sei quem sou
nem onde existo nem se...

É noite nas horas todas da escuridão,
falta de luz tudo, sombra de avaros tons,
sobre a devastação ampla das ruínas
—entulho, lixo, nem pó— que sou.

O lugar veio-me ao desencontro.
Tecto nem chão me amparando,
esboroaram as paredes no meu corpo
rebentado,
nenhurando-me.

domingo, 8 de novembro de 2009

Recondensação

Talvez convenha transcrever a limpo
com orgulho fátuo, em frases alinhavadas, claras,
de caligrafia escolar,
a prosa mágica dos domingos.

Um caderninho datado aparece,
solitário e prenhe de antigamentes esculpidos,
runfar de merengues, a música dele,
evocações de fantasias e imatérias,
de miragens nunca alcançadas.

As alegrias parvas nem se sabem ocultar,
antes se vestem de panos e estrelinhas nos pés,
perdição delas
em mãos dos assassinos de cores e pirilampos.

sábado, 7 de novembro de 2009

Permissão negada

Era uma vez uma pergunta.

Alguém comentou que se ouviu o silêncio matando as palavras,
resposta retórica
à esperança estéril do regresso.