Tudo depois da poesia é uma merda.
Ademar Santos

domingo, 28 de junho de 2009

O verbo inexistente

—Falou-se de ir,
de voltar ninguém disse nada,
pois nunca nada é o mesmo e voltas,
voltas não há.
É tudo e sempre idas,
idas sem paragens.
—Sem paragens?
—Até.
—Até...?
—Até um dia.
—Pois.

—É sempre um ir constante,
o rumo marcando-se sozinho,
em livre alvedrio dele,
troça dele.
A gente (tansos!) acha que dirige,
que tem poder para modificar a capricho curvas,
pontes e túneis, engenheirinhos da vida.
Não tem nada.
A gente obedece e caminha,
caminha sempre.
—Sempre?
—Até.
—Até...?
—Até um dia.
—Pois.

—O medo, o amor, o sofrimento
ficam atrás,
reais imaginários,
e à frente é só vazio que aguarda,
paciente e convicto, os passos devidos.
Mas regressos ao lugar que já foi pisado? Isso é que não.
Isso não, nunca.
—Nunca?
—Nunca.
—Nem até...?
—Nunca é só nunca mesmo.
—...

segunda-feira, 22 de junho de 2009

A frase (quebrada) e o poema

Já me esvidrinhei toda de agulhas
pelo sangue, luzinhas de espelho em sala
escura

r
a
r
e
f
e


i
t
a





s.

quarta-feira, 17 de junho de 2009

Momento

De frente é a escuridão,
a nada às costas,
tu tocando ai,
cordas, cordas, cordas, ar vibrando,
eu aqui escutando,
a voz, a voz, a voz, ar vibrando,
entrelaçando-me na imensidão do som,
uma rajada de dor que surde para sumir
entre as tuas mãos.

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Enlevo tóxico

A frescura dum dedo contra os lábios
no corpo dolorido
aliviando
um único ponto em que o prazer se concentra,
ai o prazer único de não sentir dor num ponto!

Se me diluísse agora no ar
seria a êxtase fatal:
tu respirando-me,
envenenado...

segunda-feira, 8 de junho de 2009

Desdém

Hoje acordei com vontade
de me prefixar em des de tudo,
de tudo quanto representa o avanço ao retrocesso,
renegando-me dos outros,
que é me negar duas vezes
às ambições reles
da espécie.

sábado, 6 de junho de 2009

Inquilinismo

Entras pelo meu cérebro
como se fosse território teu.
Centrifuga-se o mundo,
e enquanto eu minguo,
vais-te tu crescendo em mim fátuo,
senhorio, mandante,
reclamador das rendas e subserviências
toditas.

Aviso:
Esta-se a ver que um dia rebento
e onde eu fui gente
ficas tu intempérico desavolumado.