As minhas mãos,
a segurarem as páginas em labaredas
contra a vontade deste vento zombeteiro,
tão desconfortável,
são duas barrigas de lagartos
mortos de três dias,
nesse exacto rigor flácido e cinzento
quase branco.
Não se inventaram cremes, acho,
que atalhem a putrefacção interna
da carne. Porém, a epiderme ainda
evita que espalhe no ambiente
folcloricamente festivo da tarde
o fedor do cadáver que me nasce.
Além do mais, ninguém ouve,
por obra e graça dum obnubilaçãozinha qualquer,
sobre a relva fosforescente
do campo que o televisor confiado exibe
os meus cem mil pardais em agonia
a baterem as asas, a soterrarem os olhos
com a transparência delicada
de quem sabe evitar incómodos
ao público, em geral.
As minhas mãos,
ao fecharem o livro incendiado
contra o desejo líquido dos humores,
tão impertinentes,
cobram uma tonalidade verde azulada
e contorcem-se para redigirem sem tacha
este estado de desânimo
numa esplanada onde não se morre de todo
porque sim.
Memoria
Há 4 anos
2 comentários:
Onde não se vive do todo...
Eu mais diria, Maria, que não se vive nada. Mora-se apenas.
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