Tudo depois da poesia é uma merda.
Ademar Santos

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Se ainda me quiseres levar...

Em Urueña

Cai-me pó aquático de nuvem
nos óculos de longe
com que te leio.
Esta poalha anda, sem licença,
a embaciar-me a memoria
(um tule cinzento flutua
e desprende a purpurina
do sol que peneira).
O espaço que te ofereço é um lugar
de quatro sílabas
amuralhado de condicionais
a pressagiar a tua materialização
ausente.

Todas as portas fecharam
ao vento do norte
que se encostou às paredes,
às luzes apagadas no silêncio das casas.
Os habitantes repetem-se nas esquinas
desde qualquer ângulo que a lente surpreender,
e os olhos, trás a fresta das cortinas corridas,
espiam o desfile demorado do cortejo
vivo dum pedido sem resposta.

O frio regelou-me os lábios mudos
na hora de partir.