Tudo depois da poesia é uma merda.
Ademar Santos

sábado, 27 de novembro de 2010

A fotografía que nunca farei

Esfarrápase o vapor no vao das beiras
en azul contra a foz do fundo, mentres
os cans, distraídos, levantan o voo
das garzas alertas, que grallan
agora dolorosamente e imitan,
suspensas de materia grave, follas
aínda tersas que regresasen ao abrigo
das pólas impúdicas dos amieiros,
indultadas, así, á putrefacción,
prontas para máis unha vida,
para máis outra morte.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Como foi ou é

Para a Rosa
Há filmes na memória
que o espelho multiplica e amplifica,
côncavo ou convexo, e tergiversa,
distraído do tempo e dos sentidos
que nele embalde se reflectem,
antes como abraços, comunhão,
agora instantes em duas dimensões
e uma só (múltipla) lembrança viva (ainda)
para os situar no ponto exacto,
no valor exacto da ternura.

Mente o espelho por omissão
de calor e palpitações,
de texturas, sorrisos sem lábios
que os desenhem evidentes.
Falsea a imagem desde a superficialidade
dúplice das lâminas de estanho e vidro.
E não há câmara que grave
o íntimo discurso de cada gemido,
o sobressalto fundo da pele,
a eclosão interna do afecto.
Nunca os fotogramas saberão explicar
a quarta dimensão do silêncio.

Não há espelho
nem há câmara
que digam ao certo como foi ou é.

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Esfuminho

Seis meses é meio ano:
é muito, parece nada.
Tantos dias (e as suas horas,
mais os minutos delas:
não cabem no tacto todos
os segundos desta ausência).

Seis meses é meio ano:
é pouco, parece tudo.
Tantas palavras (e os seus ecos,
mais os espaços sem letras:
não entram na voz todos
os sons deste silêncio).


O meu sotaque dissipa-se
enquanto te abraça ar,
quando te beija vazio.
A ternura impronunciada.

Fala-me sempre

(Agora sei que)
nunca sobra o que se fala
mas o que não se disse.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Se ainda me quiseres levar...

Em Urueña

Cai-me pó aquático de nuvem
nos óculos de longe
com que te leio.
Esta poalha anda, sem licença,
a embaciar-me a memoria
(um tule cinzento flutua
e desprende a purpurina
do sol que peneira).
O espaço que te ofereço é um lugar
de quatro sílabas
amuralhado de condicionais
a pressagiar a tua materialização
ausente.

Todas as portas fecharam
ao vento do norte
que se encostou às paredes,
às luzes apagadas no silêncio das casas.
Os habitantes repetem-se nas esquinas
desde qualquer ângulo que a lente surpreender,
e os olhos, trás a fresta das cortinas corridas,
espiam o desfile demorado do cortejo
vivo dum pedido sem resposta.

O frio regelou-me os lábios mudos
na hora de partir.

Antiácido

Corrosão é resultado do veneno
do corpo à intempérie impregnado numa
tela de bondadezinhas,
essas que destilam
vampiros mascarados de beija-flores,
sangue encardido nos dentes,
fétido e frio o alento.

Apaguem-se os vestígios de vómito
e adormeça-se no embalo
dum andamento sinfónico,
poco allegretto, como quem diz,
agora sim, eternidade.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Monólogo com bola ao barulho

 Para o Fernando
Urdiria para ti um poema se gostasses
da cadência em que se exprimem
as ligações entre-tecidas dos fios
que nos juntam na conversa sempre adiada.
Mesmo que fosse preciso ao fundo
acrescentar uma baliza e um golo,
daquelas cores certas, tu sabes,
que te enredasse neste canto
nas horas em que as mágoas se consertam.

Mas há um espaço que se multiplica
cada noite e eu perdi os fôlegos
para atravessa-lo. Já só sei escrever
frases tresmalhadas do diálogo
que foi marcado para ali onde espera
o tesouro do arco-íris perfeito.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Dilixencia para dúo de araña e xente

Matino pola araña que teño sobre
a cabeza o que ela nin matinar soña
e conto os fíos que tece como se
contase, un menos un, os días
que minguan, sen alimento,
bicho-poema (o veleno á espreita),
que levar á boca ante a estratexia
calidoscópica dos ollos atentos
da única mosca aínda viva.
Propóñolle abrir as ventás
desta casa sen horas certas.
Que corra o ar e as moscas.
Nada responde, resérvase, outorga.


A araña está con fame
e desmaia sobre as palabras
o desespero. Coma min.

sábado, 6 de novembro de 2010

Preâmbulo a um passeio de mota em dia sábado

Tem vocação suicida o tempo:
é preciso matá-lo antes que nos mate.
(Eu, nem lembro onde)

Virá o inverno mais tarde,
mais cedo, o seu cerco contra
a insubmissão cada vez menos
resistência, menos rebelde.
Flácido o anseio, toldada a vista,
quem guerreará?

Hoje, porém, está nevoeiro e amanheci
em ânsias dum sulcar vales
desarrumado e lento.
Vou mergulhar o instinto na massa
do mundo, vou sentir a carícia
das nuvens no pedaço de cara
que contém os olhos
e liberta lágrimas.

Porque é outono ainda e
amadurece em mim um sonho
como romã que rebenta
viva e líquida
para alimentar aves
de passagem.

Vou-me esvoaçar.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Disturbio

Hai tanta sombra neste azul celeste,
neste disturbio oco que se descompón,
arpón que crave o seu son agreste
e reste azos á miña boca entón.

Trebón de riscos celestiais que estende
e prende os lustros contra a túa ausencia.
A esencia fráxil do que non se aprehende
entende apenas de luminescencia.

Silencia a boca e o tormento cala:
é bala que fura feroz no esp'rito.
O grito que ao lonxe este corpo exhala
entala na gorxa o seu folgo atrito.

Proscrito extingue na sombra o xeo
que reo de ausencia me callou no sangue,
tangue o grito do teu nome. E refreo
o arreo de rédeas-morte que te abrangue.