Tudo depois da poesia é uma merda.
Ademar Santos

sexta-feira, 18 de março de 2011

O espanto das meninas

Porque a poesia está em toda a parte,
descobrem com espanto as meninas
(como quem nunca leu coisa
além, claro, do próprio umbigo)
enquanto folheio versos sublimes
que me inspirem frases despidas,
eu componho poemas na sanita
e a casa de banho, de janela aberta,
vira centro espiritual da biologia.

quarta-feira, 16 de março de 2011

Este corpo, aquela ansiedade

No corpo descompensado
as pernas que ardem,
as mãos regeladas,
pés que caminham tudo para esquecer toda a dor
dedos que nada escrevem para nada mais esquecer
―no equívoco vingam os contrários.
Mordo a língua e cuspo-a na relva,
ela fita para mim em silêncio
e devolve-me num gesto as ausências
perdidas no baú das memórias
sem código de acesso, embrulhadas
em papel de seda e laços de fantasia.

O corpo acorda à música da aragem
e detêm-se os pés à sombra dos amieiros
florescidos para os dedos gritarem a dor
e compensa-se, no lusco-fusco, a resignação
da porcelana partida contra as paredes
da sala, os nacos de alma semeados
num canteiro, com o silêncio opaco
dum ventre adormecido, de desejo
quedo, de desídia móbil. Canta

um chapim na bigorna do ar
a ansiedade inteira e a sua resposta.
O corpo aguenta-se mais um dia.