Tudo depois da poesia é uma merda.
Ademar Santos

sábado, 29 de agosto de 2009

O nome

Anónimo é sinónimo de desânimo
semeando dúvidas na identidade,
manto de invisibilidade que a gente veste
ou sombra e nada que nos tornam outros.
Sou ninguém às vezes,
nem definição tenho,
não ser inexistente nem inerte inanimado objecto.
A olhos de quem não vê, lixo que nem estorva;
à vista de quem procura, ausência escasa.

De aí vem a necessidade, acho,
de pronunciar alto e claro o meu nome
nesses dias em que me perco.

sábado, 22 de agosto de 2009

O meu quimbanda?

Sou curandeira das frases doutros:
é esse o meu ofício silencioso.
Não elevar a voz, que ninguém repare nas cicatrizes.
Mas que dói às vezes tanto ser sombra,
tanto espectro, tanto nada,
tanto lutar contra infecções sem remédio,
incompetências alheias,
lidar para dotar de alma
carne que só merece sepultura.

E a mim quem me protege da miasma
que me corrompe o sangue?

domingo, 16 de agosto de 2009

Desestrelação (versão)

Num documentário, conta o astrónomo, em cujo nome não reparei (desculpe-me por isso, mas foi só a frase que me prendeu nos ouvidos), que cada átomo que nos forma foi parte antes dalguma estrela. E eu...

Descontemplo as mãos,
ignoro-me também nos dedos com que já não te escrevo;
e das carícias inexistentes repelo-me, enxoto-me;
enxoto-me também dos cheiros de vocação evocadora que não mais
—não mais, não mais, não mais— te conjuram;
desouço a voz rouca e gasta que já nem o teu nome pronuncia;
renego-me nos pés que te não caminham, vereda,
ai vereda,
veredinha verde de descobertas por mim trilhada que foste.

Ou no de dentro mais interno esculco:
o coração exaurido;
os pulmões que amarfalhou tanto alento teu ausente neles;
o fígado enorme a rebentar o abdome, intoxicado de mágoas como vermes;
os tristes intestinos inomináveis.

E a luz? Onde a luz?! —grito.

A luz da estrela que fui atomizada, diz-me,
ficou presa na noite em que não mais me amaste?

sábado, 15 de agosto de 2009

Retroverso

Já antes de te receber me despido
despedaçando-me em adeusezinhos.

Despírito

para acumular dores
o mais das vezes
bastou um desamor.
"Que sabes tu do eco do silêncio?". Há prendisajens com o xão. Ondjaki


Como quem ama
abro a porta e saio ao encontro
da luz.
A luz? Qual quê?
É só ruído.

Trevas, agonia, desalmamento.

O dia não vai ser já nunca nunca
algum dia.

Ausência sentida

Morreu a noite
e ficou
o crepúsculo incandescente suspendido.
Nunca virou palavra incorruptível:
bugias, lâmpadas e faróis,
lanternas e olhos —os teus— acessos,
inconsequentes brilhavam:
nenhum rumo me marcando.

No céu ausentaram-se as estrelas,
tanto mais a minha, longínqua terra
das originais saudades: dor.