Tudo depois da poesia é uma merda.
Ademar Santos

domingo, 17 de abril de 2011

Tropeço na sombra

Tropeço na sombra que me segue
quando calço as botas gastas
que há tanto me acompanham.
Levo mancheias de ar nos bolsos
que roubei ao teu alento um dia
e pesam como borboletas mortas
sobre o canto matinal do melro.
Há tanto amieiro seco de raízes
na água e tombados, escachados
nas margens, sobre o trilho, e ainda
ramos que desabrocham mínimos
ao ténue lusco-fusco deste alvorecer
inverso em que os olhos mergulham.

Pudesse eu ser pétala desprendida
duma flor de cerejeira cor-de-rosa
aprendiz de ave a navegar os ventos
até beijar amorosa a terra, essa,
que as minhas botas gastas pisam,
a mesma terra, essa, que te contém
o corpo mas não te retém a sombra
que me segue, a sombra em que tropeço.