Tropeço na sombra que me segue
quando calço as botas gastas
que há tanto me acompanham.
Levo mancheias de ar nos bolsos
que roubei ao teu alento um dia
e pesam como borboletas mortas
sobre o canto matinal do melro.
Há tanto amieiro seco de raízes
na água e tombados, escachados
nas margens, sobre o trilho, e ainda
ramos que desabrocham mínimos
ao ténue lusco-fusco deste alvorecer
inverso em que os olhos mergulham.
Pudesse eu ser pétala desprendida
duma flor de cerejeira cor-de-rosa
aprendiz de ave a navegar os ventos
até beijar amorosa a terra, essa,
que as minhas botas gastas pisam,
a mesma terra, essa, que te contém
o corpo mas não te retém a sombra
que me segue, a sombra em que tropeço.
Memoria
Há 4 anos