Tudo depois da poesia é uma merda.
Ademar Santos

segunda-feira, 31 de maio de 2010

O céu de Sequeira

Em Sequeira, a 30 de Maio de 2010
Ao Ademar Santos

Ofereço-te o céu de Sequeira que verias
e nenhuma flor cortada, mas três beijos
sobre a pedra escaldante
como a tua memória aqui:

Um de mar, que é da Rosa.
Um de ar, que é da Ana.
Mais o meu, de terra e raiva.
Todos os três, de palavras.

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Presente

Está um silêncio feroz no computador
que me tolhe.

Mas um dia destes,
eu digo-te,
vamos renascer juntos nas pétalas e espinhos
de rosas não cortadas.

Porque

continua a tua língua viva em mim
e o teu riso:
nos lábios,
nos dedos,
nos dias
e noites,
nos segundos todos,
na pele da memória
ocupando-me.

sábado, 15 de maio de 2010

Cirurxía textual

Inicio a intervención,
desprevinda,
a corazón, a corazón
fendido,
trémulo o pulso,
e de súpeto desángrome nun cichote
de tinta vermella
que vira escura, mesta, case negra,
a cada incisión sangue meu,
podre,
e vómito:
o pasado do que tanto renego
asaltándome
asaltándome
asaltándome.
Estiño a ferida con cuspe
do que engulo
e sigo
abrindo e suturando
abrindo e suturando
abrindo e suturando
as vísceras que me foxen entre os dedos,
entre as palabras doutros,
cirurxiá a quen o cadáver lle estoupa
contra a boca sen máscara,
infectándoa,
septicemia latente que grita,
que estrulla
terra contra os dentes,
a terra falsa con que se enterran os mortos vivos
no esquecemento imposible.

sábado, 8 de maio de 2010

Repenicar

O poema não tem mais que o som do seu sentido
"Arte poética". A criança em ruínas. José Luís Peixoto


Evoca-me o som da chuva,
o tintinar dos sinos da aldeia,
os passos rápidos numa rua sombria
e silenciosa,
a areia, a areia, a areia...
que outra mão deixa cair na minha como um presente,
o sal! que pica na língua e enche de água a boca:
é a criança que me habita
e constrói sonhos
para mim
quando já só sou capaz de edificar ruínas.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Tormento

está o potro aprontado

deito-me nele
de braços e pernas
vontade e memória
entregues
aos quatro pontos-sentidos cardinais
da irracionalidade
baralhados

fui
vim.......................................estou
sou

no desmembramento constante


nem de nem para
nem onde nem quem








nada ou ninguém

ninguém e nada

Voto

Que o teu dia seja
MELHOR
infinitamente
do que a noite minha
ou
ai...!

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Adiando o instante

Médrame arredor o mar
con que alago a distancia
e a aurora de mañá cedo cégame
pola fiestra do oriente.
É tanta a luz
coma as tebras
que me viran o azul branco,
negro o branco,
no día en que escancio
mais unhas horas
de prórroga.