Tudo depois da poesia é uma merda.
Ademar Santos

terça-feira, 28 de abril de 2009

Futuro imperfeito

Esculpirei sem pedra,
por exemplo,
e negarei o que sinto nas pontas dos dedos
quando te escrevo.

Falarei de alto,
como quem diz
quero-te (sempre em presente)
e aguardarei que traga a resposta o eco.
O eco.

Sonharei para dentro
e continuarei tecendo
teias de aranha
nos olhos, nos olhos meus.

segunda-feira, 27 de abril de 2009

Estigma

Estás no outro canto da mesa redonda improvisada
na que partilhamos música e conversas alheias,
não dá para falarmos.

De quando em vez miras para mim,
eu miro para ti de vez em quando
e no momento em que me sorris dos olhos,
sei que percebeste,
sabes que percebi
e sorrio para ti de dentro.

Nas despedidas, só tu te achegas,
só tu me pousas a mão no ombro, leve e cálida,
e logo os meus dedos acariciam-te nas costas um quase nada.
Beijo-te, beijas-me
e os nossos pômulos roçam-se, doendo-se.

quarta-feira, 22 de abril de 2009

Mensagem não solicitada

Bato na tua porta
insistentemente,
tensa,
expectante.

Não me respondes.
Fico de fora com a palavra na boca
e cara de SPAM.

sábado, 18 de abril de 2009

Presente em mim

Tantas vezes me fugi,
tantas vezes o futuro me devolveu
ao presente euzinho.

Agora já me deixo ficar nele em mim,
enterrando as saudades de futuro
que nascem e nascem,
teimosas;
inventando o passado...

dessonhando-me.

sexta-feira, 17 de abril de 2009

Zero mais zero é nada

Num princípio foram minutos,
horas depois, dias...
e são semanas, quase meses,
são interrogantes.

Até quando?
Ou... porquê?
Entre outros vários.

E nem gritando alto,
nem sussurrando
chegam respostas.

No entanto
continuo somando,
somando ausências.

segunda-feira, 13 de abril de 2009

Definir estado aqui

Indefinível é
este arrastar-me mendigando uma resposta:
não te escrevo,
não te falo,
nem te sonho;
só me escrevo em ti,
em ti me falo,
em ti me sonho,
reptando-te sem alcançar nunca
os teus ouvidos cegos de me leres tanto,
de tanto mais me negares,
abafando-me os gritos inqualificáveis,
a gramática anã,
os verbos desconjugados,
o meu desconcerto fragmentado em hipóteses
sem norte.

Descrever-me é me cinzelar
indeterminavelmente discordada.

sexta-feira, 10 de abril de 2009

Abril

April is the cruellest month
T. S. Eliot, The waste land: The burial of the dead

Nada há que me perturbe,
nem a ausência a pele seca me humedece.
Era tanto num princípio o desencanto,
que não deu para me encantar desesperanças,
nem para sonhos de sonhar novas esperas.

Afinal é sempre Abril
e nunca Maio,
sempre promessa...

quinta-feira, 9 de abril de 2009

Náufraga

O tempo fugindo...
Na hora das estrelas
todos os relógios marcavam a hora certa,
que era nenhuma:
a do navegar imparável,
a dos contínuos instantes.

E eu em estática inércia,
escutando o seu zoar de velas despregadas
sem aborda-lo.

terça-feira, 7 de abril de 2009

Avaliação de danos

Tantos quantos havemos de nos encontrar no inferno,
no eterno.
A Terra estremece-se
e os homens cubicam na hora do jantar, de frente ao televisor, os danos:
tanto de ruína,
tanto de tijolos, tanto de papel couché,
tanto quanto de benefício.

Num outro algures vai chovendo sobre vivos e mortos
por igual,
e nem a todos sabem as gotas grossas
mais salgadas.

segunda-feira, 6 de abril de 2009

Reticências

...

(As minhas reticências,
quando sós,
já sabes, significam falta de palavras.
Podia dizer lindo, comovente, pele na pele,
imenso até.
Mas sempre haveria alguma coisa que ficasse por dizer,
sempre entendidos a mais
ou
entendidos a menos.

Deixo-me, pois, no silêncio da voz

quebrada.)

domingo, 5 de abril de 2009

Tanta vida estragada

Falaste verdade no que depois calaste:

No momento da morte,
no final,
tudo o que ficou para atrás
-não só os pesadelos, os sonhos e as alegrias também-
deve parecer
coisinhas baratas, ninharias,
para quem contempla a grandeza dum cajueiro em flor iluminado pela lua cheia.

Mas até então...
cá vamos estragando flores e luares em embrulhadas absurdas.

sábado, 4 de abril de 2009

Precisava me desapossar de sentimentos.
Era o único caminho possível.
Assim leve.
Assim fria.
Avanço agora.
Estou por cima de tudo e nada.
Trespassei o limite do juízo, desajuizada.

Só.

Como na morte.

Menos que nada

Não te esqueci. É só que estou menos que nada.
Necessitava tanto um abraço, uma carícia.
Tenho frio.
E saudades tuas.
E falta de palavras.
E nada para dar.

Beijos, antes que me esqueça como se dão,
que o que se sente... já não me lembra.